Os ensaios e as reflexões de Montaigne

Antônio Fernando Santos

”Do que se refere a mim, vou logo me apresentando tal como sou. Detesto
a ideia de que pensem de mim o que não sou”.

São palavras de Michel Eyquem de Montaigne, que viveu na França de 1.532 á 1.592. Na modernidade é considerado o criador do gênero literário
chamado de ensaio. De inicio, este que veio a ser um novo gênero literário,
era uma breve divagação acerca de pessoas, fatos, situações, épocas, e até do comportamento humano, resultante do seu estado de alma. Entretanto,
desde a antiguidade, esta forma de escrever sobre o pensamento humano,
já era praticado. Assim a POÉTICA de Aristóteles; os DIÁLOGOS de Platão; os escritos de Sêneca, de Plutarco e outros, muitos outros, todos de 1.500 antes de Montaigne, são alinhados como ensaios. Mas, modernamente, Montaigne dá a conceituação da matéria, e o modelo a ser seguido desde então. Sobre este gênero literário, escreve Silvio Lima, em seu estudo (Ensaio Sobre a Essência do Ensaio) “ O ensaio tem que ser necessariamente
crítico” na medida em que a crítica é a antítese do obscurantismo e traduz o repúdio do sono dogmático. Em suma, o ensaio é uma atitude ginástica
do intelecto que, repudiando o autoritarismo, pensa por si só, e por si
próprio. Quer dizer, o ensaio é o espirito crítico, o livre exame. E, Montaigne, o grande amigo de Etienne de La Boétie, refletiu e escreveu
sobre tudo. Deixou-nos uma obra notável, em que reflete, examina, e critica. Consegue se mover entre um tema e outro de maneira contínua,
e acaba por deslocar a nós, os leitores. Curiosamente parece pretender
nos deixar a deriva de suas reflexões, pois nunca deixa nada concluso, nada que seja uma assertiva peremptória. As suas verdades, não são definitivas e eternas, e isto, deixa com formidável clareza para julgamento dos homens. É ele mesmo quem diz. “Da frequentação do mundo, tira-se uma admirável clareza para julgamento dos homens. Estamos todos trancados e encolhidos em nós mesmos e temos uma visão limitada ao comprimento do nosso nariz.”. E Montaigne refletiu e escreveu sobre a bravura e a covardia. Sobre a coragem e o medo. Sobre a alegria e a tristeza. Sobre a verdade e a mentira. Sobre o trabalho e a ociosidade. Sobre a cólera, a ira, o ódio. Sobre a misericórdia e a generosidade.

Sobre a evolução e o obscurantismo. Sobre a inteligência e a falta dela. Sobre a intolerância, a paciência, a resignação, a renúncia. Sobre o reconhecimento, e o agradecimento. Sobre a riqueza e a pobreza. Sobre o amor e a indiferença. Nada ficou fora do alcance perquiridor da percepção de Montaigne. A sua crítica era elucidativa, e fazia isto com tamanha genialidade, competência, clareza e finura, que nunca se soube de questionamentos ao seu pensamento. Em sua obra, era ele o questionador profundo de todas as mezelas humanas. Possuidor de uma cultura grandiosa parecia que de tudo sabia e a tudo conhecia. Apesar de ter vivido grande parte de sua vida adulta e reflexiva encerrado em uma torre de um castelo, sempre cultivou a amizade. Parece que tinha por este sentimento um apreço muito especial. Sempre manifestava extremo respeito e gratidão
aos amigos. Se nada mais nos tivesse deixado, apenas por este ensinamento, muito teria valido a pena a existência de Montaigne. Ele foi um dos maiores exemplos já vividos de moderação e boa temperança.