Livro de Edson Moreira revela Segredos do caso Eliza Samudio, assassinada pelo goleiro Bruno

O Livro revela e elenca os vários mistérios que o caso que estarreceu o Brasil ainda guarda

Eliza Samúdio, morta pelo goleiro Bruno e seus comparsas

Reprodução/TV Record

O delegado que investigou o caso Eliza Samudio — o assassinato, a mando do ex-goleiro Bruno, do Flamengo — fez um trabalho digno de Hercule Poirot, o detetive de Agatha Christie. Edson Moreira resolveu escrever um livro, contando detalhes e bastidores do caso, e convidou-me para fazer o prefácio. Aceitei.

A morte de Eliza, ainda envolta em doses de mistério, revela uma série de nuances, absurdos, descalabros, ópera bufa cantada no Fórum, desfile de interessados em promover apenas self promotion, ignorando a putrefação de algumas almas humanas, detalhe que — como escreveu o romancista indiano Pankaj Mishra, exibe a “falta de inteligência para as questões da alma”.

A alma humana foi contaminada no caso Eliza do mesmo modo como as pessoas infectadas pelo corona vírus. Separando ignorância bruta da virtude, o delegado Moreira mostrou, como o detetive Sherlock Holmes, de Conan Doyle, que não existe crime perfeito e sim investigações imperfeitas. O curioso disso é que, de modo geral, os assassinos pensam que poderão ludibriar a Polícia, no entender deles incapaz de solucionar um caso intrigante. Estão enganados.

O ex-goleiro Bruno, artífice principal da morte de Eliza, é uma demonstração grotesca disso. O episódio envolve questões relacionadas a psicologia e sociologia, que não importaram nesse processo, embora tivessem a maior relevância na elucidação. A gênese de tudo é uma gravidez indesejável de Eliza. Bruno não queria assumir a paternidade de jeito nenhum. Rigorosamente falando, não queria pagar pensão, embora isso fosse uma insignificância perto do salário que recebia no Flamengo. Eliza queria o filho, Bruno tentou convencê-la a fazer aborto, e esta foi a motivação para tudo, num clima de agressões, se desenrolar e transformar-se num dos mais bárbaros assassinatos da história criminal brasileira.

Os neurônios não são muitos na caixa craniana de Bruno. Suas amizades são de baixo nível, gravitando em torno da malandragem e da promiscuidade, dominantes nas festas hedonísticas frequentemente promovidas pelo ex-goleiro. Orgias. Bacanais. Surubas. Esta era a motivação nas festas de Bruno.

Diante de um filho indesejável, Bruno contou para dois amigos íntimos, um deles de fato bastante íntimo, que estava com um “pobrema”. O problema seria a gravidez que ele não queria aceitar. Os amigos se prontificaram a resolver o “pobrema” o mais rápido possível. Com naturalidade troglodita, fizeram a equação problema-solução e a lógica de matar para resolver. Pronto. Sem lei. Sem alma.

Bruno na época em que ainda jogava

Bruno na época em que ainda jogava

Depois de vários atritos, inclusive com queixa de Eliza à Polícia, em busca de medidas de proteção (sempre inúteis), Bruno partiu para o ardil. Conseguiu atrair Eliza para um encontro em hotel no Rio de Janeiro. Lá, disse a ela que iria assumir a paternidade e conseguiu convencê-la a viajar para Belo Horizonte, onde seriam tomadas providências cartorárias e apresentação oficial da futura mamãe para familiares. Foi convincente. Eliza ficou feliz, sem perceber que estava caindo numa arapuca. Bruno parecia um ator formado pela Academia Actors Studio, famosa em de Hollyood. Cínico, mordaz, mentiroso, canalha.

Dali, Eliza embarcou num Land Rover de Bruno para Minas Gerais. Seria sua última viagem. Estava sendo posto em ação o plano macabro.

MORTE

O sumiço de Eliza logo foi constatado. Foi quando aconteceu uma coisa incrível: um adolescente, primo de Bruno, contou que estava na cena do crime onde Eliza foi primeiro barbarizada longamente e depois assassinada. O primo revelou isso numa entrevista para a rádio Tupi, do Rio de Janeiro. Por que ele fez isso? Porque estava atormentado, tinha pesadelos, não conseguia dormir, as cenas do barbarismo não lhe saiam da cabeça. O avô resolveu dar conselhos ao neto e achou que a confissão pública seria necessária para uma catarse reabilitadora. A fórmula, inusitada, foi uma entrevista pela rádio.

Em Belo Horizonte, como diretor da Delegacia de Homicídios, o delegado Edson Moreira soube desses fatos. Se fosse um burocrata, providenciaria no máximo a expedição de uma carta precatória para o menor ser ouvido no Rio. Mas como é do ramo, perspicaz e diligente, Moreira viajou imediatamente para o Rio, conversou com o menino e levou-o para BH. Na capital mineira, o menor não sabia o local para onde Eliza tinha sido levada. Mas sabia que o Land Rover de Bruno parou para um encontro em frente ao campo do Cruzeiro, de onde Eliza, já prisioneira, foi levada em outro carro para um endereço que ele ignorava, mas seria capaz de descrever o trajeto até chegar a ele. Antes disso, Moreira localizou o carro de Bruno. Tinha manchas de sangue em seu interior. Constatou-se que era sangue de Eliza, torturada no trajeto Rio-BH.

O menino levou Moreira ao local do crime. Casa num sítio, palco de sinistros três dias, durante os quais Eliza foi torturada e xingada com os piores palavrões durante a sessão ininterrupta de espancamentos. Dentro dessa casa, estavam os cúmplices de Bruno, conhecidos como “Bola” e “Macarrão”, ambos rapidamente localizados e presos. Morta, Eliza teve o corpo levado para fora da casa e, daí para a frente, o menor não soube informar mais nada. As buscas foram incessantes, porque o menino acreditava que o corpo de Eliza tivesse sido jogado em pedaços para ser devorado por cães. Ou então enterrado. Ou emparedado. Moreira pediu ajuda para geólogos de uma faculdade em Ouro Preto, que possui equipamentos da Alemanha para detectar existência de algo oculto numa parede. Não deu em nada.

“Macarrão”, que trazia num dos braços a tatuagem “amor eterno”, dedicada a Bruno, dizia que não tinha nada a ver. Amor eterno? Interprete como puder. Direito, na essência, é interpretação, aprenda. Bruno disse que não sabia de nada. “Bola” protestava por inocência. Apenas mentirosos n o caminho, Moreira foi removendo pedras no caminho, como no poema do mineiro Drummond, até julgar-se em condições suficientes de apontar à Justiça, com segurança probatória, quais eram os assassinos. No dia de julgamento, lá estava eu no júri de Bruno. Enquanto se desenrolavam os debates circenses, tive o privilégio de contar com Moreira, o pai da investigação, como consultor. Vital, porque tudo que se debatia era fruto do inquérito que ele presidiu. E nada mais. Assisti a uma opereta bufa quando o advogado assegurou aos jurados que Eliza estaria viva, e poderia entrar no Tribunal do Júri “a qualquer momento”. Essa foi demais para a minha cabeça.

Bruno e Macarrão presos

Bruno tomou vinte e dois anos de cadeia. “Macarrão”, apelido de Luiz Henrique Ferreira Romão, 22 e três meses. “Bola”, vulgo de Marcos Aparecido dos Santos, 16 anos. Os anos se passaram. Todos condenados, passaram a engendrar teses estapafúrdias, mirabolantes, jogando a “verdadeira” culpa um no outro. Tudo fora do processo, disparates inúteis em entrevistas sem fim. Bruno, já absurdamente solto, não se deu ao trabalho de ao menos visitar o filho Bruninho, que vive sob os cuidados da avó em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Bruno diz que “um dia contará tudo para o menino”. Será?

Meu prefácio passa por esses meandros. Moreira aposentou-se na Polícia Civil, foi eleito deputado federal, não conseguiu a reeleição e agora pensa numa candidatura a vereador em BH. Acompanhei seu trabalho passo a passo, e a circunstância de ter sido policial militar em São Paulo me ajudou. Além de provar autoria, Moreira provou no caso de Eliza que pode sim, haver crime sem cadáver (o de Eliza nunca foi encontrado). contrariando teses jurídicas – acadêmicas, mas fora da realidade. Só uma coisa Moreira não conseguiu demonstrar: a estupidez e a boçalidade humanas são despidas de limites. Bruno, “Bola” e “Macarrão” estão aí para demonstrar

Percival de Souza – R7